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Parecer Crítico:
Expansão da Estabilidade em Doença Ocupacional (Tema 125/TST)
Uniformização do Art. 118 da Lei 8.213/1991 à Luz do Novo Entendimento do TST
11/05/2025 - Barueri - SP
Por Dra. Gleicy Fernandes Gasparini e André Gasparini
Texto legal e contexto anterior:
O art. 118 da Lei nº 8.213/1991 garante ao empregado que sofreu acidente de trabalho ou contraiu doença ocupacional a manutenção do contrato de trabalho por 12 meses após o fim do auxílio-doença acidentário, assegurando-lhe estabilidade no emprego contra dispensa arbitrária ou sem justa causa. Tradicionalmente, a jurisprudência do TST interpretava esse artigo de forma restritiva, exigindo dois requisitos objetivos para reconhecimento da estabilidade acidentária: (a) afastamento do trabalho por período superior a 15 dias e (b) percepção de auxílio-doença acidentário (espécie B91). Essas exigências decorriam do texto legal que menciona a cessação do benefício previdenciário e foram consolidadas no item II da Súmula 378 do TST, segundo a qual “são pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a consequente percepção do auxílio-doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego”.
Essa interpretação estrita gerou divergências jurisprudenciais nos Tribunais Regionais do Trabalho e inclusive entre Turmas do próprio TST, especialmente quanto à necessidade do afastamento >15 dias como condição para a estabilidade. Em consequência, havia insegurança jurídica: alguns trabalhadores tinham a estabilidade negada se não preenchessem aqueles requisitos formais, enquanto outros obtinham proteção com base em entendimentos mais favoráveis (por exemplo, quando a doença ocupacional só era reconhecida após a demissão, casos em que a própria Súmula 378 admitia exceção). Diante desse cenário de posições conflitantes, o TST afetou o tema à sistemática dos recursos repetitivos a fim de uniformizar a interpretação em todo o país, firmando uma tese jurídica de observância obrigatória.
Novo entendimento – Tema 125: Em 25 de abril de 2025, o Tribunal Pleno do TST, ao julgar o RR-0020465-17.2022.5.04.0521 (Tema 125), fixou tese vinculante esclarecendo a correta interpretação do art. 118 da Lei 8.213/91. O enunciado aprovado estabeleceu que não se exige mais o afastamento superior a 15 dias nem o recebimento de auxílio-doença acidentário para o trabalhador ter direito à estabilidade provisória, desde que seja reconhecido, após a cessação do contrato de trabalho, o nexo causal ou concausal entre a doença ocupacional e as atividades desempenhadas durante o vínculo. Em outras palavras, a garantia provisória de emprego independe do gozo de benefício previdenciário acidentário, bastando que se comprove, mesmo posteriormente à dispensa, que a enfermidade teve origem ocupacional (nexo causal) ou foi agravada pelo trabalho (nexo concausal).
Esse novo entendimento do TST representa uma virada jurisprudencial em relação à interpretação anterior. Na prática, ele uniformiza em âmbito nacional a aplicação do art. 118 da Lei 8.213/91, superando as controvérsias existentes e garantindo que casos idênticos recebam solução idêntica. O resultado imediato é o aumento da segurança jurídica: pacificada a questão pelo Tribunal superior, os juízes de primeiro grau e tribunais regionais passam a ter um parâmetro unívoco para julgar pedidos de estabilidade acidentária. Isso reduz drasticamente o risco de decisões díspares e a necessidade de recursos aos tribunais superiores, agilizando a prestação jurisdicional trabalhista. Do ponto de vista social, trata-se de um marco importante de avanço na proteção dos trabalhadores acometidos por doenças do trabalho, harmonizando a jurisprudência com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (CF, art. 1º, III e art. 6º).
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Implicações do Fim da Exigência de Afastamento > 15 dias e Auxílio-Doença Acidentário (B91)
A principal mudança trazida pela decisão do TST foi eliminar a necessidade dos requisitos formais antes exigidos para a estabilidade acidentária. Deixou de ser condição que o empregado tenha ficado mais de 15 dias afastado do trabalho ou que tenha recebido o benefício previdenciário por incapacidade (espécie B91) para só então adquirir a estabilidade de 12 meses. Agora, qualquer acidente de trabalho ou doença ocupacional comprovada gera estabilidade, mesmo que o afastamento tenha sido de curta duração ou inexistente e que nenhum auxílio-doença acidentário tenha sido concedido.
As implicações práticas dessa mudança são significativas. Situações que antes não davam ensejo à estabilidade agora passam a garanti-la ao trabalhador. Por exemplo, afastamentos breves – mesmo de apenas um dia – motivados por acidente ou enfermidade relacionada ao trabalho não afastam o direito à estabilidade, se ficar demonstrado o nexo causal ou concausal com as atividades laborais. Assim, deixa de importar a duração do afastamento: o foco desloca-se para a origem ocupacional da doença. Também não se exige mais a “burocratização” via INSS – isto é, o empregado não precisa ter passado pelo processo de obtenção do auxílio-doença acidentário para só então estar protegido. A estabilidade independe da concessão formal do benefício previdenciário; basta a comprovação técnica (perícia médica) de que a lesão ou patologia decorre do trabalho.
Essa mudança corrige certas distorções da interpretação anterior. Sob a leitura literal da lei, um trabalhador que sofresse um infortúnio laboral mas se recuperasse rapidamente (em menos de 15 dias) ficava sem estabilidade, ao passo que outro, com lesão semelhante porém com afastamento ligeiramente superior a 15 dias (e, portanto, com B91), teria direito à garantia. Isso penalizava, paradoxalmente, quem não preenchia o requisito temporal, ainda que a gravidade do acidente/doença pudesse ser alta. Com o novo entendimento, qualquer vítima de acidente de trabalho ou doença profissional terá os 12 meses de garantia no emprego, independentemente do tempo de afastamento.
Ademais, a retirada dessa exigência agiliza a proteção ao trabalhador. Antes, o empregado dependia de ter o benefício reconhecido pelo INSS (o que envolve perícia previdenciária e trâmites administrativos) para depois pleitear a estabilidade. Agora, dispensa-se essa intermediação burocrática, permitindo que o próprio juízo trabalhista reconheça de imediato o direito à estabilidade com base em prova pericial, acelerando o acesso do empregado à garantia de emprego. O trabalhador, assim, mantém o vínculo e a remuneração enquanto trata da saúde, sem precisar aguardar pela eventual concessão de auxílio-doença.
Em resumo, o fim dos requisitos de >15 dias e B91 ampliou o alcance da estabilidade acidentária. Todo trabalhador que sofra acidente do trabalho ou doença ocupacional comprovada passa a ter direito à manutenção do emprego por até um ano após a alta, mesmo que o afastamento tenha sido curto ou inexistente. Essa interpretação foca na realidade do nexo causal em vez de formalidades, reforçando o caráter protecionista da norma acidentária, cuja finalidade é amparar o empregado no período em que se recupera dos danos à saúde causados pelo trabalho.
Ampliação do Direito à Estabilidade com Comprovação da Doença após a Demissão
Outro aspecto fundamental do Tema 125 é a afirmação explícita de que a estabilidade acidentária subsiste mesmo que a natureza ocupacional da doença só seja reconhecida após a dispensa do empregado. Ou seja, se o trabalhador foi demitido sem justa causa e posteriormente (já fora da empresa) restar comprovado que ele sofria de doença relacionada ao trabalho, ele faz jus à estabilidade provisória, tal como se a enfermidade tivesse sido identificada antes da sua saída.
Essa previsão, na verdade, confirma e reforça entendimento já consagrado pela jurisprudência trabalhista. A própria Súmula 378 do TST, em sua parte final do item II, já excepcionava os casos de “doença profissional constatada após a despedida”, permitindo a estabilidade mesmo sem o cumprimento dos requisitos usuais (afastamento >15 dias e B91). A razão é evidente: muitas doenças ocupacionais têm período de incubação ou diagnóstico tardio, de modo que seus efeitos ou a certeza de sua ligação com o trabalho somente emergem quando o contrato já foi rescindido. Seria contrário à lógica protetiva privar o trabalhador da estabilidade apenas porque a doença foi confirmada tardiamente. O TST, ao firmar a tese do Tema 125, incorporou definitivamente esse entendimento, deixando claro que o momento do reconhecimento do nexo causal (mesmo após o fim do contrato) não impede o direito à estabilidade.
Assim, amplia-se o alcance da estabilidade para abarcar hipóteses de doenças ocupacionais de evolução lenta ou diagnóstico difícil, incluindo diversos males que costumam ser descobertos depois da demissão. Por exemplo, pode-se citar um trabalhador exposto a ruído que, após ser dispensado, constata perda auditiva ocupacional; ou alguém submetido a estresse intenso e assédio moral que somente após o desligamento é diagnosticado com depressão ou síndrome de burnout ligada ao trabalho. Nesses casos, mesmo não havendo afastamento prévio ou percepção de benefício acidentário, o empregado terá direito à estabilidade provisória porque ficou provado o nexo causal entre a doença e o trabalho “após a cessação do contrato”.
Do ponto de vista prático, o reconhecimento pós-demissional da doença ocupacional normalmente resultará em invalidade da dispensa que ocorreu durante o período em que o trabalhador deveria estar protegido. Em consequência, o empregador poderá ser condenado a reintegrar o empregado (caso ainda esteja dentro dos 12 meses de estabilidade) ou a pagar uma indenização substitutiva referente aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade já exaurido. A jurisprudência já vinha adotando essa solução para garantir a efetividade da estabilidade quando a doença profissional é constatada após a demissão (Súmula 378, II, parte final). Com o Tema 125, tal orientação torna-se vinculante e ainda mais abrangente, pois, conforme mencionado, cai por terra a necessidade de qualquer afastamento prévio.
Em síntese, ampliou-se a proteção ao trabalhador “retrospectivamente”: se ele foi dispensado e posteriormente descobre-se que, à época da demissão, estava acometido de doença profissional, terá direito à estabilidade como se a doença houvesse sido identificada durante o contrato. Essa medida evita que empregadores se beneficiem de eventual desconhecimento ou ocultação da doença no momento da dispensa e assegura que nenhum trabalhador vítima de infortúnio laboral fique sem a garantia de emprego por mera questão temporal. Trata-se de uma aplicação plena do princípio protetivo, garantindo que a finalidade do art. 118 da Lei 8.213/91 (proteção do acidentado) seja atendida mesmo em casos de doença de manifestação tardia.
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Repercussões Jurídicas para Empregadores: Riscos de Judicialização e Medidas Preventivas
A decisão do TST, ao ampliar os casos cobertos pela estabilidade acidentária, traz novos desafios e cuidados para os empregadores. Em primeiro lugar, deve-se notar que a mudança eleva potencialmente o risco de judicialização de demandas trabalhistas envolvendo doenças ocupacionais. Se antes muitos empregadores se apoiavam na ausência de afastamento prolongado ou de benefício B91 para alegar inexistência de estabilidade, agora esses argumentos não têm mais amparo. Qualquer doença relacionada ao trabalho pode embasar uma ação reivindicando estabilidade, cabendo à empresa se defender quanto ao nexo de causalidade. Isso significa que mais trabalhadores poderão buscar o Judiciário para assegurar a reintegração ou indenização pela estabilidade, especialmente em casos de dispensa ocorrida durante tratamento médico ou logo após retornos de saúde.
Um cenário preocupante para as empresas é o da “reintegração surpresa”: o empregado demitido sem indicação aparente de doença ocupacional consegue, meses depois, provar que estava doente em razão do trabalho e obtém uma ordem judicial de retorno ao emprego. De fato, a própria advocacia patronal tem alertado que as empresas podem ser surpreendidas com decisões de reintegração de ex-empregados meses após a dispensa, mesmo sem qualquer sinal prévio de tratar-se de enfermidade ocupacional. Esse risco impõe aos empregadores uma postura muito mais proativa na gestão de saúde ocupacional.
Medidas preventivas e estratégicas: Diante desse novo panorama, é crucial que as empresas adotem medidas preventivas para mitigar riscos e evitar passivos trabalhistas significativos. Em linhas gerais, as seguintes ações são recomendadas:
Fortalecer as políticas de saúde e segurança no trabalho: A decisão do TST reforça a necessidade de políticas eficazes de SST, pois somente prevenindo acidentes e doenças ocupacionais é que o empregador evitará a situação de ter que arcar com estabilidade ou reintegrar empregados adoecidos. Isso inclui cumprir rigorosamente as Normas Regulamentadoras (NRs) do Ministério do Trabalho, promover treinamentos, fornecer EPIs adequados e melhorar as condições ergonômicas e organizacionais. Investir em prevenção é sempre menos oneroso do que lidar com litígios e indenizações depois.
Gestão ativa dos afastamentos e da saúde dos empregados: As empresas devem aprimorar o acompanhamento da saúde de seus trabalhadores. Sempre que um empregado apresentar problemas de saúde, mesmo que não resulte em longo afastamento, convém investigar se há relação com as atividades laborais. Implementar programas de acompanhamento médico ocupacional robustos (incluindo exames periódicos e demissionais bem realizados) pode detectar precocemente doenças relacionadas ao trabalho. Caso seja identificada uma possível doença ocupacional, a empresa deve encaminhar o empregado para tratamento adequado e emitir a CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), mesmo que não haja afastamento prolongado. Isso demonstra boa-fé e permite ao INSS avaliar o caso. Ainda que a estabilidade agora independa do auxílio-doença, comunicar e tratar adequadamente o problema reduz danos à saúde do empregado e pode evitar agravamentos ou disputas futuras.
Cautela nas decisões de desligamento: Doravante, antes de demitir um empregado, o empregador precisa considerar seu histórico de saúde recente. Demitir um funcionário que esteve doente ou lesionado, sem apurar corretamente se a condição tem nexo com o trabalho, tornou-se altamente arriscado. A recomendação é que, ao planejar dispensas, o RH cheque se o empregado teve doenças reportadas ou tratamentos em curso. Se houver indicativo de doença ocupacional (por exemplo, atestados médicos reiterados por transtornos psicológicos ligados ao trabalho, LER/DORT, problemas respiratórios em ambiente insalubre etc.), a empresa deve avaliar cuidadosamente a situação – possivelmente mantendo o empregado até a alta ou formalizando um acordo – para não incorrer em dispensa ilegal de trabalhador estabilizado. Em suma, avaliar caso a caso o risco de a dispensa violar estabilidade tornou-se parte essencial da gestão de desligamentos.
Documentação e evidências: Diante do provável aumento de disputas sobre nexo causal de doenças, é importante que o empregador documente as condições de trabalho e medidas de proteção oferecidas. Registros de exames ocupacionais sem alterações, laudos de monitoração ambiental, registros de entrega de EPIs e treinamentos podem ser úteis para, em juízo, contrapor alegações de que a doença teria relação com o trabalho. Embora o ônus da prova do nexo seja do trabalhador (tema que abordaremos adiante), uma postura diligente da empresa na produção de evidências de um ambiente de trabalho seguro pode influenciar o resultado de perícias e julgamentos.
No tocante à gestão de riscos psicossociais (assédio moral, sobrecarga, estresse etc.), que a partir de 2025 passou a ser uma exigência explícita da NR-1 (vide item 5 abaixo), as empresas devem criar mecanismos de monitoramento do clima organizacional e da saúde mental dos empregados. Políticas de prevenção ao assédio e canais de denúncia, programas de bem-estar, adequação de metas e jornadas são exemplos de ações que previnem adoecimento psíquico e, consequentemente, reduzem futuras alegações de doença ocupacional psicológica.
Em conclusão desse ponto, a decisão do TST, embora benéfica pela clareza que traz, impõe ao empregador maior responsabilidade. Não é mais possível confiar em “brechas” formais (como a falta de B91) para evitar a estabilidade. Por outro lado, a própria clareza do novo critério pode ser vista como positiva para as empresas sérias, pois mitiga a imprevisibilidade: sabem-se agora exatamente os requisitos da estabilidade, permitindo que o empregador adote uma postura preventiva e estratégica para evitar passivos trabalhistas imprevisíveis. Ou seja, a melhor defesa do empregador é antecipar-se, zelando pela saúde ocupacional de seus empregados para que não ocorram doenças relacionadas ao trabalho – e, se ocorrerem, tratando-as com a devida cautela, em vez de simplesmente desligar o trabalhador e correr o risco de ter de reintegrá-lo por ordem judicial.
Coerência da Decisão com a Legislação Vigente e Diretrizes (NR-1 e Saúde Mental)
A nova interpretação dada pelo TST ao art. 118 da Lei 8.213/91 mostra-se coerente com a evolução da legislação trabalhista e previdenciária, bem como com diretrizes modernas de saúde e segurança no trabalho, a exemplo da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) atualizada para incluir fatores de riscos psicossociais.
Consonância com a finalidade da Lei 8.213/91: Embora a literalidade do art. 118 condicione a estabilidade ao término do auxílio-doença acidentário, é pacífico que o espírito da norma é protetivo, visando resguardar o emprego do acidentado ou doente ocupacional pelo período de recuperação. A própria jurisprudência do TST já afirmava a constitucionalidade desse artigo (Súmula 378, item I) e sua natureza de garantia de emprego temporária em prol do bem-estar do trabalhador acidentado. Ao dispensar as formalidades (afastamento >15 dias e concessão de benefício), o TST aproximou a interpretação da lei à sua finalidade social, evitando que a proteção falhe por meras questões burocráticas. Essa coerência teleológica é sustentada por princípios maiores, como o da dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, destacados inclusive no voto vencedor como fundamentos para ampliar o amparo ao trabalhador enfermo. Em suma, a decisão alinha a aplicação da Lei 8.213/91 com os princípios constitucionais trabalhistas, sem contrariar o texto legal, mas conferindo-lhe alcance mais amplo e eficaz.
Compatibilidade com as NRs e enfoque psicossocial (NR-1): A decisão do Tema 125/TST veio em momento oportuno, em sintonia com mudanças regulatórias importantes na seara de saúde ocupacional. A partir de 26 de maio de 2025, entrou em vigor uma atualização da NR-1 (Disposições Gerais) do Ministério do Trabalho que passou a exigir expressamente a avaliação e gestão dos riscos psicossociais no ambiente laboral. Essa mudança normativa deixa claro que fatores como estresse, assédio moral e carga mental excessiva são riscos ocupacionais que devem ser identificados e controlados pelos empregadores como parte das medidas de proteção à saúde dos trabalhadores. Em outras palavras, a legislação infralegal agora reconhece oficialmente que a organização do trabalho e as interações profissionais podem causar adoecimento mental (depressão, ansiedade, burnout etc.).
Tal diretriz dialoga diretamente com a ampliação da estabilidade acidentária. Se a norma obriga o empregador a prevenir doenças psicológicas decorrentes do trabalho, nada mais coerente que o ordenamento também proteja o emprego daqueles que, não obstante as medidas preventivas, venham a sofrer tais doenças ocupacionais. O conceito de “doença ocupacional” abarcado pelo art. 118 da Lei 8.213/91 e pela tese do TST é amplo, compreendendo tanto doenças profissionais típicas (ligadas a agentes físicos, químicos, biológicos) quanto doenças do trabalho, que incluem os transtornos psíquicos causados pelas condições laborais (como o assédio e sobrecarga mencionados na NR-1). Assim, um trabalhador que desenvolva, por exemplo, síndrome de burnout ou depressão maior em virtude de fatores laborais comprovados, passa a ter direito à estabilidade provisória de 12 meses, mesmo que não tenha se afastado por longo período ou recebido benefício previdenciário. A decisão do TST é, portanto, coerente com a diretriz da NR-1, pois ambas reforçam a ideia de que saúde mental do trabalhador é parte integrante da saúde ocupacional e deve ser tutelada.
Ressalte-se que essa visão integrada está em linha com a tendência atual de encarar o ambiente de trabalho de forma holística. As normas de SST (segurança e saúde no trabalho) e a Justiça do Trabalho caminham no mesmo sentido: prevenir, reconhecer e remediar os danos à saúde do trabalhador, sejam eles físicos ou mentais. Vale mencionar que os dados recentes do INSS apontam um número expressivo de afastamentos por transtornos mentais no trabalho (cerca de 209 mil em 2022), o que evidencia a relevância do tema. A estabilidade acidentária estendida a essas hipóteses fortalece a proteção, garantindo que o trabalhador com transtorno mental ocupacional não seja dispensado no auge da sua vulnerabilidade sem uma rede de segurança.
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Harmonia com outras disposições legais: A decisão do TST também não conflita com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ou demais leis vigentes. A CLT, em seu art. 7º, XXII da CF (recepcionado pela CLT), assegura a redução dos riscos inerentes ao trabalho, e a estabilidade acidentária complementa esse mandamento, dando tempo para a recuperação quando a prevenção falha. A Lei 8.213/91, além do art. 118, traz no art. 19 e 20 definições de acidente de trabalho e doença ocupacional que servem de base para identificar os casos cobertos – e a decisão apenas uniformiza sua aplicação. Não se trata de criação judicial de direito novo, mas de interpretação judicial evolutiva dentro dos limites do ordenamento, privilegiando a finalidade social da lei. Inclusive, o mecanismo utilizado – julgamento de recurso repetitivo para “reafirmação de jurisprudência” – indica que o TST entendeu estar consolidando uma linha já adotada por diversos órgãos julgadores, em consonância com a legislação de regência.
Em conclusão, sob o prisma jurídico-normativo, a ampliação da estabilidade pelo Tema 125 mostra-se coerente e consistente: reforça o espírito protetivo da lei de benefícios, alinha-se com normas atuais de saúde ocupacional (como a NR-1) e respeita os princípios constitucionais do trabalho. Longe de subverter a legislação vigente, a decisão do TST completa as lacunas e corrige distorções na interpretação do art. 118, de modo harmônico com o arcabouço jurídico que busca a tutela da saúde do trabalhador.
Segurança Jurídica, Ônus da Prova e Equilíbrio entre Direitos do Trabalhador e Deveres do Empregador
A uniformização promovida pelo TST sem dúvida incrementa a segurança jurídica nas relações de trabalho.
A partir do precedente vinculante do Tema 125, todos os operadores do Direito do Trabalho sabem exatamente qual regra aplicar em casos de acidente de trabalho/doença ocupacional: inexistem mais dúvidas sobre a desnecessidade de afastamento longo ou de benefício previdenciário para configurar a estabilidade. Essa previsibilidade é benéfica tanto para trabalhadores quanto para empregadores. Empregados acometidos por doença ocupacional têm a expectativa legítima de obter a estabilidade, mesmo que sua situação particular não se enquadre naquele antigo critério estrito – eliminou-se singularidade que antes existia conforme a turma ou região. Por seu turno, empregadores podem adequar suas condutas e estratégias sabendo que, se ocorrer doença ocupacional, haverá a obrigação de estabilidade, independentemente das formalidades. Isso permite cálculos mais realistas de risco e a implementação das medidas preventivas já mencionadas, em vez de contar com teses jurídicas incertas.
Cabe pontuar que a decisão do TST foi tomada em sede de recurso repetitivo para reafirmação de jurisprudência, procedimento que, por sua natureza, visa justamente cristalizar entendimentos já amadurecidos nos tribunais e garantir coerência e isonomia na aplicação do direito. Assim, embora possa parecer uma novidade, o Tema 125 consolidou uma evolução jurisprudencial que vinha se desenhando – logo, o mercado de trabalho e a comunidade jurídica não foram pegos completamente de surpresa. Diversos julgados anteriores, mesmo antes de 2025, já reconheciam estabilidade em casos sem B91 (especialmente na hipótese de doença descoberta após a dispensa, por força da Súmula 378). O que se tem agora é a segurança jurídica reforçada pela vinculação da tese em todo o país.
Ônus da prova e desafios probatórios: Com a flexibilização dos requisitos formais, o elemento central passa a ser a comprovação do nexo causal ou concausal entre a doença e o trabalho. Em regra, o ônus da prova de que a enfermidade teve origem ocupacional recai sobre o trabalhador, que é quem alega o direito à estabilidade. Na Justiça do Trabalho, costuma-se produzir essa prova mediante perícia médica judicial, na qual um expert examina o histórico clínico e laboral do empregado, avalia exames e laudos e emite parecer sobre a existência (ou não) de nexo causal. A decisão do TST ressaltou justamente que, com a independência em relação ao INSS, a discussão principal desloca-se para dentro do processo trabalhista, exigindo perícias técnicas de qualidade para fundamentar a conclusão. Isso implica um desafio: será necessário investir na capacitação de peritos médicos do trabalho, assegurar sua imparcialidade e aprimorar os procedimentos periciais, para que as conclusões sejam confiáveis e aceitas pelas partes.
Do ponto de vista prático, uma vez apresentado pelo empregado um relato verossímil de que sua doença pode ter relação com o trabalho (p.ex., um laudo médico ou Comunicado de Acidente de Trabalho – CAT), cabe ao empregador colaborar com o esclarecimento, fornecendo ao perito informações sobre as condições de trabalho, fatores de risco existentes e eventuais dados alternativos que apontem outras causas para o adoecimento. Embora o encargo probatório formal seja do autor da reclamação, a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova e o dever de cooperação no processo recomendam que o empregador apresente contraprova se possuir (por exemplo, exames prévios do empregado mostrando doença preexistente, ou evidências de que ele contraiu a doença fora do ambiente laboral). De qualquer sorte, a palavra técnica do perito tende a ter grande peso. Assim, a garantia de emprego só se efetivará se ficar objetivamente demonstrado o nexo ocupacional, o que afasta o temor de que qualquer doença possa gerar estabilidade de forma automática ou oportunista.
Importante salientar que a tese firmada menciona “nexo causal ou concausal”. Isso significa que não é necessário que o trabalho seja causa única ou exclusiva da doença – basta que tenha contribuído de forma relevante para seu surgimento ou agravamento (concausa). Tal conceito, já adotado pela Previdência Social e pela doutrina trabalhista, é fundamental para alcançar a justiça material, pois muitas doenças resultam de fatores múltiplos (genéticos, sociais, laborais). Se o trabalho agravou ou acelerou uma condição de saúde do empregado, é justo que ele seja tratado como vítima de doença do trabalho. Nesse ponto, há um equilíbrio delicado: reconhece-se o direito à estabilidade também em situações de causalidade indireta, ampliando a proteção ao trabalhador, mas ao mesmo tempo exige-se que essa contribuição do trabalho seja comprovada de modo robusto. Se a enfermidade for exclusivamente decorrente de fatores alheios ao trabalho, a empresa não será responsabilizada com estabilidade – por exemplo, um funcionário demitido que desenvolve uma doença sem relação alguma com suas atividades (um câncer de origem genética, por exemplo) não estará acobertado por esta garantia.
Desse modo, o ordenamento busca um equilíbrio entre os direitos do trabalhador e os deveres do empregador. De um lado, protege-se o trabalhador que adoeceu por causa do trabalho, impedindo que seja dispensado justamente quando mais precisa do emprego (para se recuperar). Garante-se a ele estabilidade temporária, preservando sua fonte de subsistência e viabilizando sua reabilitação sem o temor do desemprego imediato. De outro lado, resguarda-se o empregador de abusos, ao condicionar a estabilidade à efetiva existência de nexo com o trabalho e ao limitar temporalmente a garantia em 12 meses. Não se trata de uma estabilidade permanente ou irrestrita: passado o prazo legal contado da alta ou término do tratamento, o empregador poderá dispensar o empregado (desde que este já esteja apto ou, caso permaneça incapacitado, aí sim deverá buscar aposentadoria por invalidez ou outro arranjo). O empregador também mantém o direito de demitir por justa causa durante o período de estabilidade, se houver motivo, ou de encerrar o contrato por acordo entre as partes (respeitando as garantias devidas). Ou seja, o balanceamento de interesses permanece: protege-se o trabalhador acidentado, mas sem retirar totalmente do empregador os meios de gestão do negócio quando há justificativas legais.
Quanto à segurança jurídica sob a ótica do empregador, pode-se argumentar que a decisão do TST, ao alterar um entendimento consolidado (Súmula 378, II), poderia gerar alguma insegurança retrospectiva para casos antigos. Todavia, como mencionado, a uniformização veio como resposta a uma evolução jurisprudencial e a um contexto de divergências que já criavam insegurança anteriormente. Agora, com a tese vinculante, há maior estabilidade normativa daqui em diante. Além disso, a cultura de precedentes que o TST busca fortalecer tem por objetivo exatamente fornecer coerência e previsibilidade às relações de trabalho. Em última análise, a decisão equilibra os valores em jogo: a justiça social de proteger quem adoece trabalhando e a necessidade de regras claras para que os empregadores saibam como cumprir a lei.
Parecer:
A decisão do TST sobre o Tema 125, ao uniformizar o entendimento acerca da estabilidade por doença ocupacional, configura um marco de fortalecimento da tutela jurídica do trabalhador, conferindo-lhe mais segurança de manter o emprego no infortúnio de adoecer em razão do trabalho. Simultaneamente, impõe aos empregadores um dever acrescido de diligência na prevenção e manejo de riscos ocupacionais, sob pena de responderem por reintegrações e indenizações.
A medida revela-se tecnicamente fundamentada e alinhada com a legislação e princípios vigentes, inclusive com as novas diretrizes de saúde mental no trabalho (NR-1), demonstrando sensibilidade do judiciário trabalhista às transformações no mundo do trabalho e à centralidade da saúde do trabalhador. Desse modo, entendo que a decisão, além de juridicamente correta, busca um equilíbrio adequado entre os direitos do trabalhador (à saúde e à continuidade do emprego) e os deveres do empregador (de zelar por um ambiente de trabalho seguro e responder pelos riscos do negócio), reforçando a segurança jurídica e a efetividade da tutela trabalhista no Brasil.
Referências (legislação e jurisprudência citadas):
Constituição Federal, arts. 1º, III; 6º; 7º, XXII.
Lei nº 8.213/1991, art. 118.
Norma Regulamentadora nº 1 (Portaria MTP 6.730/2020 e Portaria MTP 4.219/2022).
TST, Súmula 378, itens I, II e IIIvlex.com.brvlex.com.br.
TST, Recurso de Revista Repetitivo RR-0020465-17.2022.5.04.0521 – Tema 125, Tribunal Pleno, julgado em 25/04/2025 (Acórdão publicado em 09/05/2025)conjur.com.brwilsonalvesadv.com.br.
Fontes bibliográficas e informativas consultadas:
Souza, A. B. “Tema 125/TST fortalece proteção ao trabalhador com doença ocupacional.” Consultor Jurídico, 06/05/2025conjur.com.brconjur.com.brconjur.com.br.
Rodriguez & Sousa Advogados. “Tema 125 do TST: nova interpretação amplia a estabilidade acidentária — o que isso muda na gestão de afastamentos?” Blog, 07/05/2025advrodriguez.com.bradvrodriguez.com.br.
Wilson Alves Advogados. “Estabilidade Provisória Acidentária e o Tema 125 do TST.” Artigo, 2025wilsonalvesadv.com.brwilsonalvesadv.com.br.
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). “Empresas brasileiras terão que avaliar riscos psicossociais a partir de 2025 – Atualização da NR-1 reforça a gestão de SST.” Notícia Gov.br, 29/11/2024.
Migalhas. “NR-1: Governo adia vigência de norma sobre saúde mental no trabalho.” 2025migalhas.com.brmigalhas.com.br.
Hora Jurídica (HJur). “TST estabelece novas teses e fortalece cultura de precedentes na Justiça trabalhista.” 29/04/2025hjur.com.brhjur.com.br.
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Martin Luther King Jr